
... provavelmente a última rsss
Faz algum tempo que tivemos essa conversa. Ele tentava me explicar por que, em meio a tantas garotas bonitas, a tantas baladas e viagens, ele não se decidia a namorar.
Ele não disse que estava sobrando mulher. Não disse que seria um desperdício escolher apenas uma. Não falou em aproveitar a juventude ou o momento e nem alegou que teria dificuldade em escolher. Disse apenas que é difícil achar alguém especial.
Na hora, parado com ele na porta do elevador, aquilo me pareceu apenas uma desculpa para quem, afinal, está curtindo a abundância. Foi depois que eu vim a pensar que existe mesmo gente especial, e que é difícil topar com uma delas.
Claro, o mundo está cheio de gente bonita. Também há pessoas disponíveis para quase tudo, de sexo a asa delta. Para encontrar gente animada, basta ir ao bar, descobrir a balada, chegar na festa quando estiver bombando. Se você não for muito feio ou muito chato, vai se dar bem. Se você for jovem e bonita, vai ter possibilidade de escolher. Pode-se viver assim por muito tempo, experimentando, trocando de gente sem muita dor e quase sem culpa, descobrindo prazeres e sensações que, no passado, estariam proibidos, especialmente às mulheres.
Mas talvez isso tudo não seja suficiente.
Talvez seja preciso, para sentir-se realmente vivo, um tipo de sensação que não se obtém apenas trocando de parceiro ou de parceira toda semana. Talvez seja preciso, depois de algum tempo na farra, ficar apaixonado. Na verdade, ficar apaixonado pode ser aquilo que nós procuramos o tempo inteiro – mas isso, diria o meu jovem amigo, exige alguém especial.
Desde que ele usou essa fatídica expressão, eu fiquei pensando, mesmo contra a minha vontade, sobre o que seria alguém especial, e ainda não encontrei uma resposta satisfatória. Provavelmente porque ela não existe.
Você certamente já passou pela sensação engraçada de ouvir um amigo explicando, incansavelmente, por que aquela garota por quem ele está apaixonado é a mulher mais linda e mais encantadora do mundo – sem que você perceba, nela, nada de especial. OK, a garota é bonitinha. OK, o sotaque dela é charmoso. Mas, quem ouvisse ele falando, acharia que está namorando a irmã gêmea da Mila Kunis. Para ele ela é única e quase sobrenatural, e isso basta.
Disso se deduz, eu acho, que a pessoa especial é aquela que nos faz sentir especial.
Tenho uma amiga que anda apaixonada por um sujeito que eu, com a melhor boa vontade, só consigo achar um coxinha. Mas o tal rapaz, que parece que nasceu no cartório, faz com que ela se sinta a mulher mais sensual e mais arrebatada do planeta. É uma química aparentemente inexplicável entre um furacão e um copo de água mineral sem gás, mas que parece funcionar maravilhosamente. Ela, linda e selvagem como um puma da montanha, escolheu o cara que toma banho engravatado, entre tantos outros que se ofereciam, por que ele a faz sentir-se de um modo que ninguém mais faz. E isso basta.
É preciso admitir que há gente que parece especial para todo mundo. Não estou falando de atores e atrizes ou qualquer dessas celebridades que colonizam as nossas fantasias sexuais como cupins. Falo de gente normal extremamente sedutora. Isso existe, entre homens e entre mulheres. São aquelas pessoas com quem todo mundo quer ficar. Aquelas por quem um número desproporcional de seres humanos é apaixonado. Essas pessoas existem, estão em toda parte, circulam entre nós provocando suspiros e viradas de pescoço, mas não acho que sejam a resposta aos desejos de cada um de nós. Claro, todo mundo quer uma chance de ficar com uma pessoa dessas. Mas, quando acontece, não é exatamente aquilo que se imaginava. Você pode descobrir que a pessoa que todo mundo acha especial não é especial para você.
Da minha parte, tendo pensado um pouco, acho que a pessoa especial é aquele que enche a minha vida. Ela é a resposta às minhas ansiedades. Ela me dá aquilo que eu nem sei que eu preciso – às vezes é paz, outras vezes confusão. Eu tenho certeza que ela é linda por que não consigo deixar de olhá-la. Tenho certeza que é a pessoa mais sensual do mundo, uma vez que eu não consigo tirar as mãos dela. Certamente é brilhante, já que ela fala e eu babo. E, claro, a mulher mais engraçada do mundo, pois me faz rir o tempo inteiro. Tem também um senso de humor inteligentíssimo, visto que adora as minhas piadas. Com ela eu viajo, durmo, como, transo e até brigo bem. Ela extrai o melhor e o pior de mim, faz com que eu me sinta inteiro.
Deve ser isso que o meu amigo tinha em mente quando se referia a alguém especial. Se for isso vale a pena. As pessoas que passam na nossa vida são importantes, mas, de vez em quando, alguém tem de cavar um buraco bem fundo e ficar. Essas são especiais e não são fáceis de achar.
(Ivan Martins)
Editor-executivo de ÉPOCAAo te dirigir esta carta, faço-o fraternalmente e também para expressar a preocupação e a indignação de ver como a destruição e a morte semeadas em vários países, em nome da liberdade e da democracia, das palavras prostituídas e vazias de conteúdo, terminam justificando o assassinato, que é festejado como se fosse um acontecimento esportivo.
Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que vieram apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça.
Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida; o objetivo foi assassiná-lo.
Os mortos não falam e, ante o medo de que o justiçado possa dizer coisas não convenientes para os Estados Unidos, a saída foi o assassinato e assegurar que, morto o cão, tenha acabado a raiva, sem levar em conta que não fazem outra coisa senão incrementá-la.
Quando recebestes o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: Barack, me surpreendeu muito que te tenham outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o tens deves colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a grave situação em que o teu país e o mundo estão vivendo.
Contudo, incrementastes o ódio e traístes os princípios assumidos na campanha eleitoral ante teu povo, como por fim às guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões de Guantánamo, em Cuba; e de Abu Graib, no Iraque. Nada disso conseguistes fazer; pelo contrário, decides começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAN e pela vergonhosa resolução das Nações Unidas de apoiá-la; quando esse alto organismo, diminuído e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.
A base da fundação da ONU é a defensa e promoção da paz e dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: "Nós, os povos do mundo…”, hoje ausentes desse alto organismo.
Quero recordar um místico e mestre que tem, em minha vida, uma grande influência: o monge trapense da Abadia de Getsemani, no Kentucky, Tomás Merton, que disse: A maior necessidade do nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que está em nossas mentes e que converte toda a vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem esta limpeza doméstica não podemos começar a ver. Se não vemos, não podemos pensar.
Eras muito jovem, Barack, durante a Guerra de Vietnam; talvez não te recordes da luta do povo norte-americano para se opor à guerra.
Os mortos, feridos e mutilados no Vietnam até o dia de hoje sofrem as suas consequências.
Tomás Merton dizia, frente a um carimbo de carta que acabava de chegar, The U.S. Army, key to peace, O exército estadunidense, chave da paz: nenhum exército é a chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com a paz. Quando mais os homens aumentam o poder militar, mais violam a paz e a destroem.
Convivi e acompanhei os veteranos de guerra de Vietnam, em particular Brian Wilson e seus companheiros, que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.
A vida tem esse ‘não sei quê’ de imprevisto e surpreendente, da fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar as gerações futuras uma vida mais justa e fraterna; restabelecer o equilíbrio com a Mãe Terra.
Se não reagirmos para mudar a situação atual da soberba suicida, arrastando os povos aos profundos meandros onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz. A humanidade merece um destino melhor.
Sabes que a esperança é como o loto que cresce na lama e floresce em todo esplendor, mostrando toda a beleza. Leopoldo Marechal, o grande escritor argentino, dizia que, do labirinto se sai por cima.
E creio, Barack, que depois de seguir a tua rota equivocando caminhos, te encontras em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterras mais e mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes empresas, pelo complexo industrial militar, e crês ter o poder que tudo pode e que o mundo está aos pés dos Estados Unidos porque impõem pela força das armas, e invadem países com total impunidade. É uma realidade dolorosa; mas, também, existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.
São tão grandes as atrocidades cometidas por teu país no mundo que daria tema para muito, é um desafio para os historiadores que terão que investigar e saber dos comportamentos, da política, da grandeza e da pequenez que levaram os Estados Unidos à monocultura das mentes que não lhes permite ver outras realidades.
Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às Torres Gêmeas, é identificado como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o assinalava como o eixo do mal, o que serviu para declarar as guerras desejadas de que o complexo industrial-militar necessita para colocar seus produtos de morte.
Sabes que investigadores do trágico 11 de Setembro assinalam que o atentado tem muito de "autogolpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento anterior dos escritórios das Torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão e agora contra a Líbia; argumentando na mentira e na soberba do poder que tudo fazem para salvar o povo, em nome da "liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são "danos colaterais”. Foi o que vivi no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios à cidade e ao hospital pediátrico, e no refúgio de crianças que foram vítimas desses "danos colaterais”.
A palavra esvaziada de valores e de conteúdo, que te faz denominar de morte ao assassinato e dizer que, por fim, os Estados Unidos fizeram Bin Laden "morrer”. Não procuro justificá-lo sob nenhum conceito; sou contra todo terrorismo, tanto desses grupos armados, como do terrorismo de Estado que teu país exerce em diversas partes do mundo, apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenções armadas, exercendo a violência para se manter, pelo terror, no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?
Será por esse motivo que o povo dos Estados Unidos vive com tanto medo das represálias daqueles que chamam de "eixo do mal”? O simplismo e a hipocrisia de justificar o injustificável.
A paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade; seu caminho é trabalhoso, cotidiano e esperançador, onde os povos são construtores da sua própria vida e da sua própria historia. A paz não se presenteia; ela é construída e isso é o que te falta, rapaz: coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.
Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os Estados Unidos, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que firmam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas falam em nome da liberdade e do direito.
Como podes falar da paz se não queres cumprir nada, salvo os interesses do teu país?
Como podes falar da liberdade quando tens nas cárceres prisioneiros inocentes, em Guantánamo, nos Estados Unidos, nas cárceres do Iraque, como no de Abu Graib, e no Afeganistão?
Como podes falar dos direitos humanos e da dignidade dos povos quando os violas permanentemente e bloqueias aqueles que não compartilham da tua ideologia e têm que suportar os maus-tratos?
Como podes enviar forças militares ao Haiti depois do devastador terremoto e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?
Como podes falar de liberdade quando massacras os povos do Oriente Médio e propagas guerras e torturas, em conflitos intermináveis que tiram proveito de palestinos e israelenses?
Barack: olha para cima do teu labirinto, podes encontrar uma estrela que te guie, embora saibas que nunca poderás alcançá-la, como bem disse Eduardo Galeano.
Procura ser coerente entre o que dizes e fazes; é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.
O Nobel da Paz é um instrumento a serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.
Desejo-te muita força e esperança, e esperamos que tenhas a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da paz.