O Ético Sofre
Outro dia, depois de uma cansativa jornada de trabalho e de passar muito tempo no supermercado fazendo compras, fiquei feliz por notar um caixa com apenas uma pessoa na fila e com apenas alguns itens para pagar.
Comecei a pensar que o dia não fora tão mal assim, afinal. Mas me enganara.
Logo, outra pessoa chegou com um carrinho totalmente cheio e juntou-se ao cavalheiro que aguardava na minha frente. O cidadão estava, na verdade, guardando lugar na fila enquanto sua mulher continuava a fazer compras. Uma bobagem, afinal de contas, já que não houve um “furo de fila”, mas que me rendeu algumas meditações pouco nobres. Restou-me procurar outro guichê que estivesse menos concorrido.
Enquanto aguardava o pagamento de minhas compras, fiquei imaginando que jamais faria coisa igual àquela. Era, na minha opinião, um desrespeito com as demais pessoas.
Depois, já em casa, fiquei pensando nas inúmeras vezes que tais coisas acontecem conosco nas mais diversas situações. Sempre com a velha tese de que nós, brasileiros, somos assim mesmo.
Descobri que a pessoa bem educada que respeita os demais e é ética, é passada para trás cotidianamente.
Vivemos num país que se vangloria, até mesmo em suas canções mais populares, de possuir apenas o famoso “chavão”: “malandro é malandro e mané é mané”.
Ora, se você não é o “malandro” da história, certamente o farão parecer ser o “mané”.
A ética, no Brasil, é tida como algo circunstancial que sempre terá como resposta para a pergunta: “Você é ético?”, a palavra: “Depende”.
Neste sentido, a pessoa que é ética, íntegra, que respeita as leis e as demais pessoas, sofre neste país.
Sofremos sempre que alguém o ultrapassa pelo acostamento num engarrafamento, porque ele certamente fará o trânsito ficar ainda mais lento lá na frente, prejudicando a todos que não fazem isto. Sofremos quando alguém adultera o velocímetro do carro apenas para vendê-lo como se tivesse menos quilometragem. Sofremos quando subornam policiais para não serem multados.
Sofremos quando pessoas inescrupulosas estacionam seus carros na calçada, ou nas vagas de idosos e deficientes, ou ainda, em fila dupla ou tripla em frente das escolas. Ou quando tentam agilizar algum processo utilizando uma rede de influências.
Sofremos quando pessoas furam filas utilizando desculpas esfarrapadas. Quando violam a lei do silêncio. Quando trocam votos por bens materiais. Quando jogam lixo nas ruas e não preservam a natureza.
Da política, então, melhor nem falar.
O ético sofre porque se ele quiser assinar uma TV a cabo, terá que pagar integralmente pelo serviço, enquanto o “malandro” fará uma ligação clandestina. Não contrabandeará bens para pagar mais barato. Terá que estacionar numa vaga lícita e andará mais por isso, ou então, terá que pagar pelo estacionamento privado. Caso tenha se descuidado com alguma lei de trânsito, terá que pagar a multa e arcar com as consequências. Por isso, terá que trabalhar mais porque ser ético também custa mais caro. Demanda mais tempo. Requer mais tolerância e paciência.
Sem querer ser hipócrita, minhas meditações levaram a procurar, em mim, onde também estava tentando levar vantagem em relação aos demais.
A princípio, imaginei ser uma pessoa que poderia ser considerada modelo de retidão. Mas longe disso, também encontrei meu calcanhar de Aquiles.
Lembrei-me de inúmeras pequenas atitudes para levar alguma vantagem pessoal que, embora não sejam crimes contra a humanidade também não se constituíam em atitudes condizentes com o conceito de ética que estava cobrando dos outros. Envergonho-me disso.
Mas o que nos faz sermos assim? Porque achamos que todas as coisas estão ao nosso dispor independente da vontade ou do direito dos outros?
Porque nos países “ricos” ou ditos “de cultura milenar” isto parece acontecer com menos frequência?
Não creio que se trate apenas de riqueza ou antiguidade de um país. Tampouco na cor da pele dos seus habitantes.
A diferença está, a meu ver, é na atitude das pessoas. Somos moldados diariamente, ao longo de muitos anos, a nos comportar dessa maneira até que chega um ponto em que parece normal agir assim. Até nos vangloriamos disto em alguns momentos.
Fica valendo a velha máxima: “Ora, todo mundo faz assim. Que diferença fará se eu não fizer o mesmo?
Esta característica nos deixa pobres! Enquanto não houver vontade de assumir os princípios éticos de respeito e responsabilidade, jamais chegaremos num patamar de cultura que nos permita sair da miséria moral e intelectual que estamos atolados hoje.
Segundo Adeli Sell (Secretário Municipal da Produção, Indústria e Comércio de Porto Alegre) “As pessoas não são o que falam, nem o que pensam. São o que fazem".
Está na hora de virarmos este jogo. Temos que começar a fazer a diferença. Não é porque todos fazem ou deixam de fazer algo, que também faremos igual.
Não vou comprar produtos ilegais para que os “malandros” não tenham mercado para vendê-los. Não vou comprar peixe na época do defeso, mesmo mais barato, nem comprar casacos de pele de animais que estão em extinção. Não vou subornar policiais, nem vou aceitar suborno de ninguém, por nada. Tampouco vou jogar lixo na rua, ainda que a rua esteja repleta de lixo. Não vou ensinar nem vou admitir a malandragem em minha família.
Não vou me apropriar do bem alheio achado na rua, ainda que não saiba a quem pertence. Devolverei numa delegacia. Ora, dirá, o policial ficará com o produto de seu achado! Sem problema, estou tratando da minha ética, e não da dele!
Simplesmente não quero cooperar com o que está errado.
Se todos pensássemos assim, as coisas lentamente melhorariam. Continuaríamos a ser o “mané” da história, mas antes assim. Quero poder reclamar dos políticos corruptos, que não são poucos, sem me sentir cúmplice. Não vou admitir que digam que faria o mesmo se estivesse lá. Jamais.
Vou ser tentado muitas vezes, e algumas, ou muitas, vezes vou cair. Não sou perfeito!
Mas não quero ser “assim mesmo”! Quero ser diferente. Um “mané”, com todo o orgulho!
O debate é sempre oportuno. Todo os debates.
ResponderExcluirAproveitemos este. Em Direito, fixa-se muito os princípios de "razoabilidade" e "proporcionalidade" para a prática da justiça. Penso ser extensivo à Ética. Um antigo professor assim simplificou: "Se seu ato pode ser publicado em jornal, é ético".