João Lombardo
21/06/08
Muita gente afirma que jamais vai entender de vinho. Pessoas que se dizem incapazes de sentir, por exemplo, aromas de certos vinhos. É normal, em degustações dirigidas, ouvir comentários do tipo: “como ele pode sentir cheiro de cassis no vinho? Vinho não é feito de uva? Acho que eu nunca vou entender de vinhos”. Comentários assim apontam para a necessidade de desmistificar questões relativas ao mundo do vinho. Entre elas, a questão dos aromas. Entender por que um vinho, que é feito de uva, pode ter aromas de outras frutas brancas ou vermelhas, flores e especiarias.
Há no vinho cerca de 220 substâncias que respondem por variados aromas. Essas substâncias são aldeídeos, cetonas, ésteres, terpenos, álcoois superiores e ácidos, entre outras. São verdades químicas. Algumas substâncias são flagrantes, outras mais tímidas. É provado que nem todas as pessoas têm a mesma capacidade de percepção olfativa. Mas é possível, digamos assim, “treinar o nariz” para identificar aromas, pelo menos os mais evidentes. E associa-los àquilo que conhecemos.
O primeiro passo é buscar uma taça adequada, com bojo mais largo que a boca. Esse formato transformará o corpo da taça num condutor de aromas que se afunilam, do vinho até o nariz. Um dos motivos da baixa percepção de aromas diz respeito a copos inadequados, com boca muita larga, por exemplo. Em vez da concentração, eles promovem a dispersão dos aromas.
Vinho até mais ou menos um-terço do copo, é hora de, literalmente, “mergulhar” o nariz na taça e deixar-se envolver pelos perfumes que brotam do líquido. Girar um pouco a taça ajuda a volatizar os aromas. E aí, deve-se prestar a atenção nos perfumes e tentar associa-los àqueles aromas que estão presentes na memória olfativa de cada um.
Tecnicamente, os aromas do vinho são classificados em três categorias: primário, secundário e terciário. Os aromas primários estão presentes na uva e permanecem no vinho, mesmo com a fermentação. São também chamados de aromas varietais, típicos de certas uvas. Eles derivam de substâncias como os terpenos e são flagrantes em castas aromáticas como a Moscato, a Gewürztraminer e a Torrontés. Esses aromas remetem a notas florais e frutadas. No caso dos vinhos brancos, eles trazem lembranças de perfumes de rosas brancas, flor de laranjeira e frutas delicadas. A pirazina, outra substância de aroma primário, presente na Cabernet Sauvignon, traz ao nariz notas que lembram o pimentão.
Os aromas secundários se formam durante a fase de fermentação e resultam da ação das leveduras sobre o mosto de uvas. Também há aromas secundários que se formam durante a fermentação malolática, aquela que, por ação de bactérias, transforma o ácido málico, bastante agressivo, em ácido lático, mais macio. Ácidos, álcoois superiores e ésteres respondem por esses aromas, que se expressam através de notas também frutadas, florais e vegetais.
Os aromas terciários, também chamados de bouquet, decorrem do amadurecimento do vinho. Eles se formam na barrica e na garrafa. E resultam de fenômenos de óxido-redução e da influência das barricas de carvalho no vinho. São ésteres, álcoois superiores, aldeídos, cetonas e lactonas. No leque de aromas terciários podem-se encontrar especiarias como a canela, a baunilha e o cravo. E também notas tostadas, de chocolate e café. Os aromas terciários trazem complexidade aos vinhos e provocam o degustador, no melhor dos sentidos.
Há, portanto, uma verdade química nos aromas dos vinhos. Uma verdade vinda de substâncias que podem ser relacionadas a aromas guardados na memória de cada um. Quem toma vinho tinto e conhece cassis, pode encontrar o aroma dessa fruta num vinho originário de Bordeaux, na França. Quem não convive com cassis pode associar o aroma de um tinto de Bordeaux a outras frutas vermelhas, àquelas que costuma apreciar. Não há uma verdade tão rígida nisso.
Vale citar também que o vinho pode suscitar lembranças individuais. É comum, às vezes, sentir um aroma, numa taça de vinho, que remete a uma lembrança da infância, por exemplo, a uma cena oculta no profundo oceano da memória. Quando isso acontece, o vinho se torna mais prazeroso e complexo. E, em meio a tantas sensações aromáticas coletivas, ele pode despertar um sentimento único, individual. Um aroma do qual, infelizmente, outros degustadores não poderão desfrutar. Saúde e boa semana!
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