quarta-feira, 8 de abril de 2009

Caminho da Fé - 2004

“E ofício perigoso, Frodo, sair de sua porta. Você se lança na estrada e, se não tiver cuidado com os pés, só Deus sabe onde eles poderão levá-lo.”
Tolkien – O Senhor dos Anéis.


Caminhar

A grande maioria das pessoas caminha da sua casa até o carro, do carro até o trabalho e depois vice-versa. Alguns poucos se aventuram a suar a camisa em caminhadas de final de semana que variam de 30 minutos até uma hora em parques planos, ouvindo sua música predileta num diskman.

Mas para algumas pessoas a palavra caminhar reveste-se de um sentido lúdico, quase sagrado. São os peregrinos, ou se preferir, trekkers.

Para estas pessoas as distâncias são um tanto diferentes. Sabe lá o que é caminhar todo um dia para chegar ao seu destino?

Além disto, as distâncias mudam completamente quando tudo que se tem são suas botas. 2 km passam a ser uma distância longa, 5 km, notáveis, 15, 20, colossais, 40, quase inconcebíveis. E, no entanto, todos os dias aparecem “malucos” que estão dispostos a arriscar os pés nestas aventuras.

A vida vai, ao longo dos dias de caminhada, revestindo-se de uma simplicidade estonteante. Você passa a ficar, enfim, dono de seu tempo. Acorda quando fica claro, dorme quanto fica escuro, come quando tem fome e descansa quando está cansado. Desnecessário dizer que qualquer cama é confortável.

Acaba por perder a pressa, já que o único compromisso que tem é com a própria caminhada. Acabam-se as obrigações, deveres e ambições profissionais. Tudo que resta é um tédio tranqüilo, alheio a qualquer stress.

O início você passa por alguns desconfortos causados pelas dores musculares, possíveis (e prováveis) bolhas e a sensação de que suas roupas vão ficando cada vez menos limpas, não importa quanto você as lave. Ao cabo de 3 ou 4 dias você já está se lixando para tudo isso e o que realmente importa é a quantidade de água que levará na próxima etapa, já que, cedo, chega-se à conclusão de que água pesa.

Uma verdade implacável é que você tem que carregar tudo o que possui. Sua noção de necessidade assume uma outra dimensão. Questões como “Será que é necessário levar aquela aspirina para o caso de ter uma dor de cabeça?” Acabam por incomodá-lo vez ou outra. No caminho, e porque não na vida, aquilo que você possui te faz sofrer.

No começo, carregar a mochila é como se você fosse ao parque com seu filho pequeno e ele teimosamente insistisse em ficar no seu colo. Durante alguns minutos é divertido tê-lo tão próximo, mas logo começa a ficar desconfortável, aparece uma pontada no pescoço, um aperto entre as omoplatas e a sensação vai se espalhando pelo corpo até que você sente a vontade de jogar seu filho no chão, apesar dos olhares de reprovação de sua mulher.

O Brasil é cheio de possibilidades de caminhadas deste tipo. Tem o Caminho do Sol, Caminho da Luz, Passos de Anchieta, Caminho das Missões, etc.

O primeiro caminho trilhado depois do Caminho de Santiago foi o Caminho da Fé. Um trecho de mais ou menos 420 Km que serpenteia os estados de São Paulo e Minas Gerais, ao longo da Serra da Mantiqueira.

Se os Km já assumem mega proporções quando se está a pé, se estivermos caminhando numa serra, então, a coisa fica muito pior.

A primeira, e mais dolorosa, constatação é que descer é pior. Apesar de suarmos muito e termos que parar constantemente nas subidas, é na descida que aparecem a maioria das bolhas, dores nos joelhos e tornozelos, além, é claro, de aumentarmos significativamente as chances de perdermos uma unha do pé.

E assim é o Caminho da Fé. Praticamente uma montanha para superar a cada dia. Uma longa subida na saída e uma descida abrupta na chegada. Como estamos a maior parte do trajeto em MG, é tudo “logo ali atrás daquele topzinho!”

Neste ponto faz-se necessário um pequeno à parte a uma das melhores coisas desta caminhada que é a acolhida do povo do interior. Você é recebido com o melhor que cada um tem a oferecer. Tudo com muita simplicidade. Some-se a isto a comida, as histórias, os sotaques e trejeitos e está garantida a diversão. A respeito dos botecos é melhor nem falar já que jamais bebi melhores cervejas do que nestes locais, seja qual for a marca!

Nesta caminhada, em particular, existe um forte apelo religioso, já que une a cidade de Tambaú, berço do milagreiro Pe Donizete (os mais velhos talvez lembrem dele) e Aparecida do Norte, berço da padroeira do Brasil.

Ao longo de todo o trajeto as pessoas vão desejando, sinceramente, sucesso em sua jornada. Alguns pedem orações à Santa quando chegar ao destino. Confesso que não sou uma pessoa extremamente religiosa ou devota de qualquer santo em particular, mas é difícil não se deixar tocar pela religiosidade do local e das pessoas.

Difícil, também, depois de percorrer cerca de 420 Km não se emocionar ao entrar na Basílica de N. Sra Aparecida e, ao ver as pessoas que lá estão, descobrir que há muito mais a agradecer do que a pedir. Neste momento, o melhor a fazer e relaxar e deixar as lágrimas rolarem.

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